A verdade da comissão | Correio de Uberlândia

31/05/2012 | 7h49

A Comissão da Verdade, antes mesmo de iniciar seus trabalhos, já está provocando alvoroço.
Os oponentes, que não escondem simpatia ao regime militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, estão inconformados com o provável desfecho dos trabalhos, que deve esclarecer fatos do mais sombrio período da história republicana.

A alegação é que apenas os agentes da repressão estariam sob a mira das investigações.
Por que não apurar também os atos dos “terroristas”, que pegaram em armas e também mataram? Primeiramente, porque se está falando aqui de atos praticados por agentes públicos, que agiram em nome do Estado brasileiro.

Com efeito, o Estado tem não só o direito, mas o dever de apurar ilícitos praticados por seus agentes, que agiram sem o menor amparo legal, administrativo ou judicial.

Evidência disso é o esforço que fazem para ocultar da nação o conhecimento das atrocidades.
Ademais, os torturadores e os ditos “subversivos” não podem ser igualados sob nenhum pretexto.

É puro cinismo dizer que “se um lado errou, o outro, também”. Juridicamente, o Estado não pode praticar qualquer ato sem previsão legal e responde judicialmente pelos atos praticados pelos seus agentes (Constituição Federal, artigo 37, parágrafo 6º).

Historicamente, chama atenção a incrível desproporção da ação “subversiva” e a reação do regime, que se serviu do poderoso aparato estatal para cometer um verdadeiro massacre contra não somente aqueles que pegaram em armas, mas contra qualquer oponente do regime.

O jornalista Wladimir Herzog, da TV Cultura, por exemplo, foi torturado e morto, em 1975, no quartel do 2º Exército apenas por ser membro do Partido Comunista Brasileiro.
Como ele, muitos outros brasileiros sofreram sevícias terríveis nas mãos de carrascos sem o menor direito de defesa, como o padre Henrique, assessor de Dom Helder, morto em 1969 com requintes de crueldade.

Os golpistas de 64 tentaram escrever a história à sua maneira. Intitularam como “revolução” aquilo que a história registrou como um mero assalto ao poder; subverteram a Constituição de 46 com armas; aterrorizaram, mediante sequestro, tortura e morte, milhares de pessoas.
Por isso, as viúvas desse tenebroso regime querem apagar a história e descredenciar os trabalhos da Comissão.

O Brasil foi condenado em 2010 pela OEA por não apurar crimes da ditadura. Exemplos notáveis, no entanto, deram a Argentina e o Chile, que levaram vários generais aos bancos dos réus, como Videla e Pinochet.

O Estado de Direito hoje assegura a esses saudosistas de 64 o direito de falar o que quiserem – o mesmo direito que cassaram da imprensa e da oposição.

Curiosamente, usam a liberdade de crítica para defender um regime intolerante às divergências.
Portanto, a Comissão da Verdade, apesar de circunscrita a um mero registro histórico, tem a importante missão de lançar luz no passado para que no futuro nunca mais se repita tanta covardia e desonra feitas em nome das Forças Armadas e do país.

Adir Claudio Campos
Advogado

http://www.correiodeuberlandia.com.br/pontodevista/2012/05/31/a-verdade-da-comissao/

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